Carmen Madriaga, a supercantora Carmen Costa, que morreu aos 87 anos, teve íntimas relações com Niterói. Por cinco anos viveu um romance com o compositor Mirabeu Pinheiro (pai de Sinézia, sua única filha), capixaba que ainda criança veio viver na então capital fluminense, onde primeiro aprendeu o ofício de alfaiate e depois arranjou inspiração para compor obras de destaque na MPB. E onde morreu aos 67 anos, em 1991, meio no ostracismo.
Nos últimos anos de vida, tinha entre seus companheiros mais assíduos o jornalista Ivan Costa, falecido em 2006. Ivan era dos poucos niteroienses que reconheciam e reverenciavam Mirabeau nos bares do centro da cidade e tinha ("em offíssimo", como costumava dizer) uma informação que, por motivos óbvios, nunca teve tons de oficialidade: a de que Carmen Costa foi uma espécie de amor platônico de Ataulfo Alves. Como Carmen era apaixonada por Mirabeau, o autor de "Amélia" acabou sem chances.
Mas a paixão não correspondida teria provocado um dos duelos musicais mais admiráveis da MPB, gerando alguns sambas pra lá de antológicos. O mais cantado deles, de Ataulfo, é o "Pois é" ("Pois é, falaram tanto, que dessa vez a morena foi embora..."). A morena em off na letra de Ataulfo era, claro, Carmen Costa. Tanto, que Mirabeau contra-atacou em on, com "A morena sou eu", gravada pela própria. Ivan, cujo sobrenome nada tinha a ver com o da cantora, foi dos poucos jornalistas a ouvir essa história do próprio Mirabeau.
Fluminense de Trajano de Moraes, Carmen conheceu Mirabeau no início dos anos 50. A cantora vinha de um casamento fracassado com um americano e acabou se contentando em ser a outra na vida do compositor. No livro "A Outra: um estudo antropológico sobre a identidade da amante do homem casado", publicado em 1990 pela antropóloga Mirian Goldenberg, há um depoimento lúcido e sofrido de Carmen sobre sua convivência com o compositor niteroiense. Uma confissão de amor que, entre outras coisas, mostra que a Ataulfo só restava mesmo o plano platônico.
Leia o que Carmen revelou a Mirian sobre Mirabeau:
"Conheci Mirabeau em 1952 na boate Mocambo, na rua Prado Júnior, em Copacabana (zona sul do Rio). Ele cantava e tocava bateria. Ouvi e gostei de suas composições "Cachaça não é água" e "Quase" . Naquela época eu estava muito só. Fui casada 11 anos com um americano, mas me separei em 1945. Eu e Mirabeau começamos a andar juntos por toda parte, até que fiquei grávida. Ele era casado e na época tinha uma filha. Quando nasceu seu segundo filho (*) fui arranjar o dinheiro do parto, com Ataulfo Alves. Sua mulher aparecia para falar comigo e me chamava de vagabunda, mas eu tinha a cabeça erguida. Era independente, ganhava meu dinheiro. E ela só queria o dinheiro dele. Hoje canto suas músicas e os direitos autorais vão todos para ela. Chegamos a morar juntos, só que nosso amor foi minguando. Nossa história foi dura e difícil. Só não fomos mais felizes porque ele era casado. Tivemos uma filha, Sinézia, que está com 43 anos. Recebi a música "Eu sou a outra" pelo telefone, porque algumas pessoas sabiam do nosso caso. Hoje ainda é um sucesso, que deu coragem para as outras aparecerem. Naquela época era mais sossegado que hoje, não havia tanta fofoca. Os que sabiam me censuravam. Mirabeau não tinha coragem de se separar, mas chegou a pensar em se casar comigo no Uruguai, só que sua mulher não assinava o divórcio. Acabamos brigando e eu fui para os Estados Unidos procurar meu primeiro marido, em 1959, voltei ao Brasil no ano seguinte. Passei a não aceitar duas vidas, não queria mais me dividir, viver um amor partido. Durante muito tempo mantivemos correspondência, mas a atração de corpo acabou. Faria tudo de novo, mas ia exigir mais. Acho que ele faz muita falta, principalmente como compositor".
Em tempo I
"Eu sou a outra" ("Ele é casado, eu sou a outra na vida dele..."), parte cantada da biografia de Carmen Costa, é obra do jornalista e compositor Ricardo Galeno.
Em tempo II
Elegante sempre, Ataulfo Alves resolveu ele próprio registrar em disco as músicas, inclusive a composta por Mirabeau, em torno de Carmen Costa. Estão todas num pot-pouri de oito minutos que abre o LP "Eternamente Samba", gravado pela Polygram em 1966. A própria Carmen participou das gravações, junto com Ataulfo Alves Jr.
Extraído do blog do jornalista “Ancelmo Gois” enviado por Perin, de Niterói.
Esta postagem, eu dedico, hoje, “Dia dos Pais”, aos queridos amigos Ivan Costa (falecido), Floriano Carvalho, José Américo Honorato (Meca), Áurea Martins e Mirabeau Pinheiro Neto (*) (filho do compositor) que compartilham, comigo, histórias como esta.