Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha Estação Primeira
Não sei quantas vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando
Quando o tempo avisar
Que eu não posso mais cantar
Sei que vou sentir saudade
Ao lado do meu violão
Da minha mocidade.
Quando eu piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas
Da minha estação primeira
Não sei quantas vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando
Ao pisar em folhas secas caídas de uma mangueira, folhas mortas, dispostas na terra, o poeta pensa na sua morada, na Mangueira. Ali, junto a terra, e resultado da mesma terra, encontram-se as folhas secas da mangueira. Ao pisa-las, o poeta pensa na sua morada, isto é, traz novamente a sua morada enquanto lugar de realização de sua poesia, de seu samba. Isto só foi possível porque as folhas secas estavam junto a terra. Somente junto a terra, comprimindo as folhas, é que o poeta convoca mais uma vez sua morada. Estando agregado a terra o poeta mais uma vez se faz poeta, invocando sua morada.
Mas ainda nos diz o poeta: “Subi o morro cantando / Sempre o sol me queimando”. Ao subir o morro cantando, declamando sua poesia, habitando poeticamente e construindo sua morada, o poeta é tomado pelo calor do sol. Queimando, curtindo a pele, suportando o calor: assim o poeta canta seu samba. Do céu vem o aceno dos deuses, através dos raios solares, que esturricam o homem, cortando-lhe a pele. Do céu também vêm as tempestades, que alagam as ruas e arrastam os casebres e barracos. E eis que a resposta do poeta frente ao divino é cantar seu samba, construindo sua morada. Cantar, para o sambista, é superar a dor proporcionada pelo apelo do divino (“Nossos barracos são castelos / Em nossa imaginação” !?). Rasgando o corpo, o divino nos impõe uma dificuldade, uma nova possibilidade. No entanto, o poeta recebe essa dificuldade como um presente, e tenta, no esforço de retribuir, nomear os deuses, para assim estar disposto novamente ao presente divino. Assim é o movimento de dar, receber e retribuir.
Extraído de “O poeta e sua morada: notas de um samba de Nelson Cavaquinho”, de Carlos Augusto Santana Pereira
Foi a primeira que eu gravei dele. Inclusive é a que abre o disco e também tem mais um motivo: depois que gravei essa música, ele me deu um cavaquinho dele de presente. Até então essa música era inédita clique aqui!.
Agora, mais um texto:
Nos sambas essa relação de pertença a um lugar aparece de forma explícita, como no samba "Folhas secas", que é especial na obra do Nelson Cavaquinho e do Guilherme de Brito, seu parceiro, onde a morada é uma escola de samba, localizada em um morro específico, a Mangueira, que é o seu lugar onde a experiência da vida está ligada ao passado, ao presente e ao futuro.
“Quando piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha Estação Primeira
Não sei quantas vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando
Quando o tempo avisar
Que eu não posso mais cantar
Sei que vou sentir saudades
Ao lado do meu violão
Da minha mocidade.”
Aqui a morada é um lugar, uma comunidade que evoca, traz sentimentos, lembranças. Neste samba notamos que há a percepção da vida como um ciclo de eterno recomeços em meio às labutas diárias e encontros. As coisas são sinais; as aparências (folhas secas de uma mangueira lembrando a Escola de Samba símbolo do Brasil, por exemplo) revelam significados profundos, histórias, sentimentos, laços.
Por um lado este samba vai mostrar a realidade do sinal, a percepção dessas folhas que caem e que quando pisadas o autor vai tomando contato com as lembranças que fazem-no rememorar fatos da vida. É uma espécie de maravilhamento diante do real que vai gerando uma relação de pertença àquele lugar. Por outro lado, o samba apresenta uma visão que valoriza a sacralidade do lugar, onde a realidade é percebida como provedora.
Escrito por José Eduardo Ferreira Santos.
Prá finalizar, de lambuja mais duas gravações: com Raul de Barros(1974) clique aqui! e com Rosemary(2006) clique aqui!.
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