| Texto de Gianfrancesco Guarnieri, vinculado ao teatro de resistência, produzido por Martha   Overbeck e Othon Bastos, em encenação de Fernando Peixoto. Um dos primeiros   espetáculos que conseguem furar o cerco da Censura em plena ditadura, por   meio de uma linguagem metafórica, que revela o inconformismo e a rebeldia   característicos do período.
 O espetáculo estreia quase   simultaneamente a "Botequim", outro texto de Guarnieri, configurando as   primeiras incursões do autor por um estilo figurado no qual se fazem   referências indiretas à situação social e política do Brasil. "Um grito parado no ar" reflete o momento difícil que a   dramaturgia atravessa, desejosa de discutir problemas sociais, mas obrigada a   evitar alusões explícitas que pudessem levar ao veto da Censura. Num   depoimento prestado na ocasião, Guarnieri admite que "são minhas   primeiras incursões no reino das metáforas e dos símbolos. Eu penso que esta   ginástica possa ser útil, no sentido de que nos obriga a mexer com a gente   mesmo. [...] Ter de modificar a própria maneira de falar pode ser bom, no   sentido em que a modificação traz a conquista de novos instrumentos". A peça gira em torno de um   grupo de teatro em seu processo de trabalho e ressalta as dificuldades que   enfrentam dentro e fora dos palcos. Enfocando três planos de   realidade, o diretor Fernando Peixoto descreve a estrutura do espetáculo: as   articulações existentes na encenação: "Um diretor e cinco atores   procuram realizar um trabalho, enfrentando toda sorte de pressões externas; o   trabalho está sendo minado por uma infra-estrutura repressiva, que provoca   uma crise de conseqüências insuspeitas; a peça que este grupo está procurando   encenar é mostrada através de cenas isoladas, mas nunca totalmente definida.   [...] noutro plano estão os poucos momentos em que o diretor e atores   conseguem vencer; são mostrados exercícios de interpretação, laboratórios e   improvisações, discussões sobre os personagens. O espectador assiste ao   processo de criação do ator. A mística do teatro é desnudada. [...] No   terceiro plano estão as entrevistas com o povo, todas autênticas, gravadas   nas ruas de São Paulo. Na peça dentro da peça seriam entrevistas realizadas   para servirem de material de estudo para a criação de suas personagens". A ação de "Um   Grito..." se utiliza da   alegoria, mostrar o teatro como um local onde se trabalha e se fabrica uma   aparência da realidade. Quando despojado de tudo, resta ao grupo de artistas   somente um uníssono grito final, símbolo da luta e também da sobrevivência em   meio à opressão reinante. "Texto extraído em 05/07/1973, por ocasião da apresentação da peça no Teatro Aliança Francesa - São Paulo - SP" "Um grito parado no ar”, levada pela primeira vez, em 1973, em Curitiba, logo ganhou espaço nacional. Mas não foi filha única desse ano. Ao ser lançada junto com “Botequim”, outra peça inédita do autor, marcou a história do teatro brasileiro, pois era um período em que um acúmulo de problemas externos ao teatro desestimulava imensamente a tarefa de escrever. A retração dos autores brasileiros estava forte demais, e é nesse momento político em que o teatro se vê pressionado pela Censura, que Guarnieri a dribla e leva aos palcos de muitas cidades brasileiras duas peças. Guarnieri, em muitos de seus depoimentos e entrevistas, revelou que estas peças tiveram uma ou outra palavra cortada, uma ou outra expressão trocada, mas no fundamental a "coisa" ficou como foi escrita.    Guarnieri nos relata que estas obras foram suas primeiras incursões no reino das metáforas e dos símbolos; experiência interessante do ponto de vista artesanal, pois foi preciso superar dificuldades, não pela linha reta, mas dando voltas. “Foi a única colaboração realmente ‘legal’ da censura”. Extraído de “UM GRITO PARADO NO AR – A METÁFORA DA RESISTÊNCIA”, de Maria Cristina Monteiro.  |